O ESGUICHO

que faz um esguicho? esguicha!

09 dezembro, 2008

Esta é uma crónica de Miguel Somsen, publicada no Metro de 5 de Dezembro de 2008: é engraçado, ele conseguiu dizer tudo o que eu pensava sobre o visado, mas sem os palavrões e os nomes feios que normalmente lhe atribuo... Leiam:

"Todos os dias, onde quer que seja, no semanário sisudo, na revista pimba ou no suplemento de promoções do Lidl; todos os dias, onde quer que os portugueses se encontrem, no consultório, na casa de banho ou no balcão de atendimento da Loja do Cidadão; todos os dias, na secção de desporto de um diário, na área de lazer de um jornal desportivo ou num folheto de poupança pré-reforma da próxima entidade bancária a declarar falência.Todos os dias haverá sempre espaço para mais uma pequena notícia, um novo capítulo e necessário aditamento sobre a omnisciência de Cristiano Ronaldo no mundo. Mais do que cristiano, o Ronaldo é o verdadeiro cristão na terra, a distância mais curta entre nós, vulgares mortais, e Deus, o eterno. Espanta-me que ele ainda não tenha sido convidado para a administração Obama...Quanto de Cristiano Ronaldo é nosso, de Portugal, e quantos de nós portugueses somos, ou gostaríamos de ser como ele? Metade da população adoptou o seu corte de cabelo, mas a forma não assegura o conteúdo. Qual a contribuição de Cristiano Ronaldo para a nossa felicidade diária, para o orgulho nacional, para a imagem de Portugal no estrangeiro? Dizer que ele é uma espécie de embaixador significa que o Ronaldo pode mediar conflitos nos Balcãs, acelerar os acordos de paz em Timor, reduzir os níveis de pobreza na África lusófona e depois fugir impunemente para Bruxelas, como fez Durão Barroso? Quantas escolas inaugurou Cristiano Ronaldo, quantos carreiros alcatroou na Madeira, quantas playstations e Magalhães irá oferecer à pequenada este Natal? O facto de ele ter nascido num paraíso fiscal não significa que deva ser completamente... offshore.Perguntar-me-ão: “Mas por quê embirrar com o Ronaldo, que até nos dá alegrias, e não com a Ministra da Educação, que deixa um rasto de destruição atrás de si?”. Porque aos 23 anos o Ronaldo ainda vai a tempo de ouvir. E porque o Ronaldo tem dinheiro para dar e vender. Infelizmente, e à semelhança da maioria dos portugueses, ele não tem uma cultura de riqueza - tem uma cultura de pato-bravo, de pobre endinheirado. O que faz o pobre com dinheiro? Os vencedores do Euromilhões desaparecem de circulação envergonhados por terem enriquecido sem trabalhar (a moral impõe-lhes o degredo). Os outros patos-bravos sem moral, como seria de supôr, pavoneam-se - é o que Ronaldo anda a fazer há seis meses, dentro e fora do campo. É verdade que não se pode culpar o menino pelos defeitos de uma nação provinciana, que tanto reverencia como censura os ricos. Mas uma vez que não podemos corrigir a nação, devemos pelo menos exigir que o Ronaldo se comporte como “a oitava maravilha” que ele apregoa ser – com todas as responsabilidades sociais e humanas inerentes ao cargo. Um certo respeito e uma maior generosidade fariam milagres a este Natal. Porque só quando o Ronaldo finalmente agir com a exemplar grandeza dos deuses poderemos nós atingir a grandiosidade que diariamente ambicionamos como humanos. De uma forma ou de outra, estamos nas suas mãos e somos o mundo a seus pés. "


Miguel Somsen, Metro, 5 de Dezembro de 2008